Saio mais cedo do trabalho sem dizer a ninguém aonde ia. Junto-me a dois amigos em uma caravana rumo ao Bruno José Daniel para assistir a Santo André x Cruzeiro. O trânsito infernal - esse pleonasmo paulistano - faz com que eu perca os 30 primeiros minutos da partida. Chego a tempo de ver duas jogadas de Gérson Magrão: um cruzamento bisonho com a perna esquerda (supostamente a boa) e um chute de perna direita (seguramente a ruim), que quase sai pela linha lateral.
A torcida vai à loucura. Magrão já havia sido eleito um dos culpados pela tragédia da final da Libertadores. Agora, era o responsável pelo zero no marcador. "Tira o Magrão, Adílson!" Mudo de lugar na arquibancada. Os times voltam do intervalo, Magrão segue no time. "Pelo menos no segundo tempo esse desgraçado joga do lado de lá." A cada bola que ele recebe, um muxoxo, uma expressão de desânimo.
"Vai embora do Cruzeiro, Magrão! Pede pra sair!" Ele não sai, mas sai o primeiro gol do Cruzeiro. Alívio geral na arquibancada, trégua para Magrão. Até que Adílson chama Diego Renan, lateral-esquerdo. "Graças a Deus, vai tirar o Magrão". Adílson saca Bernardo, para decepção de todos. Com 20 segundos em campo, Diego faz um golaço. "Viu como se faz, Magrão? Aprende, seu filho duma égua!"
É quando um amigo nota uma senhora de uns 50 e poucos anos na arquibancada. Ela veste uma camisa do Cruzeiro, com um suéter jogado sobre as costas. Em um momento de descuido, deixa à mostra o número 20 e o nome de Gérson Magrão. Começo a conjecturar um possível parentesco, notar alguma semelhança entre eles. É a única explicação. Ninguém tem uma camisa do Gérson Magrão. Com 2 x 0 no placar, começo a dividir as atenções entre o jogo e aquela senhora. A cada jogada de Magrão ela torce, sofre, faz figa. "Vai, Magrão!" No fim do jogo, sobe a placa de substituição com o número 6. Ela abaixa a cabeça, desapontada. "Aê, Adílson, finalmente vai tirar esse filho da p...!" Ela olha para o lado e sorri. Mas Jonathan sente a virilha e tem que sair. Magrão fica e a torcida chia. Ela comemora em silêncio e ajeita o suéter sobre as costas. Eu já não tinha mais coragem de xingá-lo.
Termina a partida e ela procura Magrão em campo. Acena, ele responde de volta rodando a camisa. Não resisto e me aproximo. "Com licença, a senhora é parente do Gérson Magrão?" Surpresa e orgulhosa, ela responde: "Sim, sou mãe dele." Olho para aquela senhora baixinha, cabelos curtos e óculos, que lembra minha própria mãe. "Deve ser duro ver o seu filho ser xingado assim, não?", pergunto, hipócrita. "Demais. Parece que só ele erra, só escuto o nome dele."
Ela me apresenta o marido, que a acompanhava. Troco umas duas ou três palavras com eles e me despeço. Da próxima vez em que for ao estádio, é bem provável que eu volte a xingar Magrão. Mas por um momento senti pena da mãe daquele filho da mãe.
Fonte: Revista Placar
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