quinta-feira, 21 de julho de 2011

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O PADRE E O FUTEBOL

Cruzeirense, graças a Deus, costuma dizer. E olha que não é força de expressão. Ele até nasceu atleticano. Mas os desígnios divinos impediram que a condição alvinegra se mantivesse. Palavras do padre Fábio de Melo, que explicou dessa forma a paixão pela camisa azul e branca. Se atualmente o religioso torce e acompanha sempre atento aos jogos do Cruzeiro, nem sempre foi assim.

A infância daquele que era chamado apenas de Fábio, em Formiga, na Região Oeste de Minas Gerais, era, sem trocadilhos, com algumas provações. Afinal, como conseguir lidar com o sentimento pelo Cruzeiro vivendo em uma família de atleticanos? Fácil não era.

- Eu nasci em uma família de atleticanos. Todo mundo lá em casa era atleticano. Só que meu primeiro encanto pelo Cruzeiro foi por causa da camisa. Eu não gostava da camisa do Atlético-MG. Meu pai, por mais que tentasse me motivar, não dava conta. Aí, Deus me resgatou através de um cunhado cruzeirense, que desafiou minha família, me deu uma camisa, quando tinha uns 5 ou 6 anos. Quando meu pai viu, proibiu terminantemente que a usasse. Disse para eu jogar fora. Só que, acobertado pela minha mãe, guardei a camisetinha em uma gaveta.

A chance de poder, de fato, externar a paixão pelo time das cinco estrelas, só veio quando Fábio de Melo foi para o seminário. Bem mais tranquilo que ficar vestindo a camisa escondido.

- Como eu fingia que era atleticano, evitava usar a camisa. Aí, fechava a porta e ficava com a camiseta do Cruzeiro lá, morrendo de medo de ser descoberto. Só fui ter a possibilidade de dizer que era cruzeirense mesmo quando saí de casa, aos 16 anos. Foi no momento em que fui para o seminário. Aí, sim, já estava liberto e sem os atleticanos desagradáveis querendo me forçar.

Ah, 2003...

E ser liberto da ‘repressão alvinegra’ foi um alívio para Fábio de Melo. Afinal, ele pôde ver, em 2003, o ano da Tríplice Coroa celeste (Campeonato Mineiro, Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro). E foi justamente uma partida daquele ano mais do que glorioso que o padre não tira da cabeça.

padre Fábio de melo alex cruzeiro (Foto: Divulgação / Cruzeiro)
Padre Fábio de Melo pede autógrafo do meia Alex, na Toca da Raposa II
(Foto: Divulgação / Cruzeiro)

- Em 2003, estávamos quase ganhando o Campeonato Brasileiro, que foi um título muito esperado por nós, e fui ver Cruzeiro x Grêmio. O Cruzeiro estava com todas as chances de ser campeão, e o Grêmio, quase caindo para a segunda divisão. Eu tive a satisfação de ver uma goleada muito boa, 3 a 0, que jogou o Grêmio ainda mais para baixo da tabela. Para mim, foi inesquecível, porque foi a última oportunidade que tive para ver o Cruzeiro ganhar e provocar em mim essas alegrias que sempre tive, desde criança.

O confronto, que encurtou ainda mais o caminho do Cruzeiro rumo à taça de campeão, foi no grande palco do futebol mineiro, o Mineirão. Wendell, aos 27, Alex, aos 29, e Mota, aos 40 minutos, todos no primeiro tempo, decretaram logo a vitória. A euforia dos quase 50 mil torcedores que acompanharam Alex e companhia era tão grande que teve até chuva de bife de fígado. E com direito a cebola no nariz. Mas quem disse que o público das arquibancadas se incomodava?

- Nós comprávamos umas marmitas que vendiam na entrada do Mineirão, e o prato era arroz, feijão e bife de fígado, com bastante cebola. Na hora dos gols, era alegria e bife de fígado voando em cima da gente, mas tudo com muita satisfação, apesar de termos ficado tirando cebola do nariz. O pessoal não se continha de alegria, e era normal que fosse assim, até porque estávamos em um momento muito importante.

Depois dessa partida, o padre Fábio de Melo ainda teve de esperar por mais três rodadas até soltar o grito de campeão. Mas controlar a ansiedade não era fácil.

- Para mim, era sofrimento muito grande, porque eu já tinha muitos eventos pelo Brasil, e, geralmente, no domingo, eu trabalhava. Então, muitas vezes, eu estava na missa, mas querendo saber o resultado das partidas. Porque eu ficava naquela: tinha saber se o Cruzeiro estava ganhando, mas também saber se o Santos estava perdendo. Os resultados do Santos estavam interferindo demais nos nossos, mas, graças a Deus, conseguimos. Eu lembro que o Cruzeiro ganhou o campeonato, e eu estava no litoral paulista, tinha um evento lá, em Caraguatatuba, e subi a serra muito feliz, carregando o título tão esperado.

Mas, no final, deu tudo certo. Enquanto o padre Fábio de Melo comemorava o título em Caraguatatuba, o elenco cruzeirense ainda celebrava a vitória de 2 a 1 sobre o Paysandu, em Belo Horizonte. A campanha não poderia ter sido melhor: 100 pontos em 46 jogos, com 31 vitórias, sete empates e oito derrotas, com 102 gols marcados.

Entre uma música e outra

Hoje, nem mesmo com uma agenda cheia de shows, caravanas e entrevistas, o padre Fábio de Melo fica sem acompanhar os resultados do time. Na verdade, às vezes, em cima do palco mesmo, entre uma música e outra, o religioso, como bom mineiro que é, dá um jeitinho de ficar atento.

- Eu tenho uma vantagem. Meu técnico de som é cruzeirense. Então, durante os shows, por exemplo, acontecem coisas engraçadas. Ano passado, durante a Libertadores, eu estava cantando em um show, e entre uma música e outra ele se levantava e fazia o gesto mostrando quanto estava o jogo. É ele quem me mantém sempre informado. O Chicletinho é garantia de informação no palco, porque sei que ele cuida do som e fica de olho nos resultados.

Repeteco

O ano de 2003 foi celestial. Este ano até parecia que o feito de sete anos atrás iria se repetir, já que o time conquistou o Campeonato Mineiro, e estava encantando na Taça Libertadores, até ser eliminado pelo Once Caldas. No entanto, padre Fábio de Melo torce – e reza – mesmo para um Campeonato Brasileiro. Para ele, a sensação de conquistar o título de campeão nacional, àquela época considerado o primeiro do time, foi indescritível. Alguém aí dúvida que ele se importaria em trocar, nem que seja por um dia, a batina pelo ‘manto azul’?

- Eu estou muito confiante. Ano passado, tivemos uma recuperação muito significativa, que se estende para este ano. Com toda sinceridade, estou louco por um novo Campeonato Brasileiro. Desejo que este ano seja azul. Vamos lá, acredito que temos possibilidade de azular este 2011. Não tem nada mais bonito que esse manto azul.

Em coro, todos os cruzeirenses dizem: "Amém!"

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