Um assunto tomou conta das redes sociais nesse sábado: a contratação do atacante Fred pelo Cruzeiro. O jogador, que estava no rival, Atlético-MG, rescindiu o contrato com seu ex-clube e acertou com o maior rival. E quanto a essa mudança de ares, uma discussão tem sido travada, até de forma mais acalorada, na imprensa: a cláusula que exige o pagamento de multa ao Atlético, caso o jogador acertasse com o Cruzeiro.
Bom, quanto a isso que passamos a analisar a situação. No nosso modo de ver, tal situação é, no mínimo, estranha. E falamos o porquê. Logicamente damos nossa interpretação por aquilo até agora, veiculado na mídia e como essa cobrança pode ser feita.
Há um princípio no Direito chamado “Pacta Sunt Servanda”, que nada mais é que cumprir aquilo estipulado em contrato. Contudo, sabemos, nem todo o contrato tem cláusulas que o próprio Direito apregoa. Assim tratamos, por exemplo, daquelas chamadas abusivas. E essa parece estar nesse interim. Vejamos: um contrato está em vigor até determinado momento e, depois de um acordo, ele é desfeito. Logo, tudo que antes havia sido colocado “preto no branco” deixa de existir. Caso a cláusula estivesse presente naquele contrato, ela perderia a valia. Encaremos, agora, a situação que Fred, por acaso, tivesse assinado um documento, posterior à rescisão, se comprometendo a não jogar no rival e que, caso isso acontecesse, o clube teria que pagar o clube um determinado valor. Oras, como assim? O jogador não tinha mais vínculo com o clube. Na nossa visão, um documento nulo, sem validade jurídica.
Citemos, por exemplo, o ótimo Caio Mário da Silva Pereira. Para o doutrinador, “o princípio da força obrigatória no contrato contém uma ideia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual, enunciada em conformidade com a lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão profunda, que não comporta retratação, é tão imperiosa que, depois de adquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode intervir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos”. Nesse trecho, Caio, no entanto, não fala da abusividade, que pode ser encontrada nas palavras de Nelson Nery Júnior, ipsis litteris: “(cláusulas abusivas) são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas”.
Oras, aqui vemos claramente uma situação, no mínimo vexatória. Talvez por uma prática sempre recorrente àqueles que, ainda depois de ter seu “poder dominante extinto”, quer continuar prevalecendo. Bom, no Direito do Trabalho, em situações muito específicas, até é possível aquilo conhecido como “quarentena”, quando um determinado empregado fica sem poder trabalhar na mesma função em uma empresa concorrente. Mas algo muito, mas muito específico. Isso, no futebol, não cabe.
Esse tipo de cláusula, como outras risíveis e que constam em contrato, inclusive no exterior, nada mais é que uma determinação de tentativa de desencorajamento do profissional. Afinal, se há uma cláusula desse tipo, ele tende a evitar ir para aquela agremiação para não ter que arcar com possível indenização ao antigo clube. E o clube interessado, sem a devida assistência jurídica, acaba se precavendo e não indo atrás do jogador. Na nossa visão, até para manter uma boa relação fora de campo.
Conhecendo bem a imprensa mineira, cujo o sangue ferve quando trata-se de futebol, essa cláusula será pauta para muitas publicações, principalmente agora, na fase de “vacas magras” em termos de notícias. Vão buscar, de todas as formas, entrevistar os advogados tanto de Cruzeiro quanto de Atlético, sempre elucidando a multa que o Cruzeiro pode pagar.
Na nossa visão essa multa é nula e Fred pode, tranquilamente, jogar no clube celeste pelo período acordado em contrato. O direito de ir e vir é constitucional e não há, em condições naturais, como alguém querer impedir isso. Faz coro à nossa interpretação o conhecido advogado Marcos Motta, que em entrevista ao site do jornal Hoje em Dia afirmou que tal cláusula é abusiva por ser de caráter restritivo. “Do ponto de vista jurídico de uma forma geral e do ponto de vista do direito desportivo não pode acontecer. É algo que interfere diretamente no direito trabalhista do jogador. Chamamos de cláusula inibidora pela tentativa de restringir o trabalho do atleta”, afirmou o advogado.
Como salientado no princípio do texto, essa é uma análise jurídica diante daquilo exposto pela imprensa e que levamos à Constituição. Salientar dizer que recentemente a CBF proibiu que clubes colocassem multas em contratos de empréstimo de atletas a outras equipes, caso esses jogadores enfrentassem as equipes que os emprestaram. Ao olhar também sob essa ótica, se por empréstimo já é proibida a multa, quiçá dizer que um jogador, já de contrato rescindido, não pode jogar por outra equipe, incluindo o time rival. Na nossa visão é uma abusividade que tende a não dar em nada na justiça, com todo o respeito que temos aos mandatários do Clube Atlético Mineiro, inclusive presidido por um ilustre e competente advogado. Contudo, nessa questão, parece que jogou verde, mas não colheu maduro.
Podemos, como citou a reportagem já mencionada, o caso similar envolvendo o jogador Geuvânio, negociado pelo Santos ao futebol chinês e que continha, em contrato, impedimento de voltar ao Brasil que não para o Santos. O caso ainda tramita na justiça. O meia chegou ao Flamengo no início do ano e, na visão do mencionado advogado, que é similar à nossa, não há como haver impedimento do jogador em atuar por outra equipe brasileira.
Cláusulas curiosas
Um jogador do Sporting, de Lisboa, concordou em assinar um contrato que o proibia de usar chuteiras azuis ou vermelhas, cores de Benfica e Porto. Talvez por essa questão de se preocupar com algo tão fútil que o futebol português seja tão pequeno dentro do mundo que é o futebol europeu.
Ainda quando havia o “passe”, um jogador belga entrou na justiça contra seu time Liège, requerendo seus direitos, pois o clube havia feito uma proposta de renovação do vínculo com redução de 60% no ordenado. E estipulou um valor superior a 11 milhões de francos para liberá-lo. Acuado, foi à Justiça e venceu o clube. Isso acabou criando a jurisprudência de qualquer clube europeu, ao final de seis meses, exigir qualquer compensação financeira por um jogador.
Abaixo deixo alguns links para acessarem: